A palavra constitui o mundo
Bruno Souza
Jovem Transformador pela Democracia
Desde muito cedo — na escola, na rua e até em casa — , pessoas tinham palavras para relacionar minha experiência de vida de jovem negro, morador do Jardim Ângela, na periferia de São Paulo, com meu futuro. Palavras que, quase sempre, me associavam a fraquezas e subalternidades. As palavras que povoavam aquele cotidiano se materializaram, ao longo da minha vida, em expressões de racismo, violências e injustiças.
Certa vez, ainda menino, fui posto para fora de uma aula. Causei estranhamento por ter sugerido ao professor que fôssemos ver, na prática, um processo natural de “erosão”, já que a escola se localizava em uma área de proteção ambiental. Estávamos em Parelheiros, bairro do extremo sul da cidade de São Paulo, que fica em uma região de mananciais e de áreas remanescentes de Mata Atlântica.
O castigo foi ficar na biblioteca. Outra estranheza… Esses estranhos modos de tratar minha curiosidade me levaram a conhecer outras palavras e outros lugares, onde boas palavras vivem: a biblioteca da escola e a Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura.
Descobri, naqueles lugares, que a literatura, como todas as outras artes, inspira e desperta sentimentos que favorecem a empatia e potencializa diálogos. E também descobri que a literatura cria modos de expressar as injustiças que sentimos pessoalmente e também as outras que são coletivas.
Acabei me envolvendo com a Caminhos da Leitura e aquela experiência coletiva me levou a cofundar o Núcleo de Jovens Políticos, que é um coletivo ocupado em refletir sobre políticas públicas voltadas para a periferia, através da articulação da juventude e ações na “quebrada”.
Novamente, aqui temos as palavras no centro da transformação. Percebi que o discurso repetido de que “o jovem não se interessa por política” não correspondia à realidade. Vi muitos jovens na periferia discutindo a sua realidade e propondo alternativas. Mas a política tradicional é feita por homens brancos, ricos e mais velhos, então ela soa assim e faz a gente acreditar que não temos lugar. Por isso, uma das tarefas do Núcleo de Jovens Políticos é decodificar as narrativas do campo e mostrar que política também é lugar de jovem.
O Núcleo quer contribuir para que os jovens falem e discutam política a partir da sua realidade e se formem politicamente a partir do seu território e de seu contexto. Para isso, vamos para dentro das escolas e ocupamos os espaços públicos com debates que reúnem os jovens e incentivam o engajamento nos movimentos políticos do território, como associações de bairro, grêmios estudantis e outros movimentos juvenis.
Uma coisa leva a outra e as conversas nos levaram a pensar e falar cada vez mais sobre um elemento importante do debate político: o racismo. Acabou nascendo o Coletivo Encrespad@s, que promove a educação antirracista.
Carolina Maria de Jesus, em “Quarto de Despejo”, diz que “Uma palavra escrita não pode nunca ser apagada. Por mais que o desenho tenha sido feito a lápis e que, seja de boa qualidade a borracha, o papel vai sempre guardar o relevo das letras escritas. Não, senhor, ninguém pode apagar as palavras que escrevi.”
Concordo com ela e já que descobri que a palavra constitui o mundo, comecemos a dizer as palavras certas que mostram o mundo que queremos. Pelo que aprendi, as palavras que dizemos juntos mudam muita coisa e, por isso, acredito que podemos construir um novo mundo, bem mais parecido com a gente.