O Nó é o que constrói Nós

Ashoka Brasil
3 min readJul 14, 2021

Gelson Henrique
Jovem Transformador pela Democracia

Gelson Henrique é um homem negro de cabelos crespos e castanhos. Ele está sorrindo, com o queixo sobre os dedos polegar e indicador. Gelson está sentado em um banco de madeira e vestindo uma camiseta cinza com uma calça branca. A paisagem é composta por árvores, morros, prédios e o mar.
Foto: UNICEF/BRZ/Rafael Duarte

Sou Gelson Henrique, um jovem preto de 21 anos cria de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de janeiro, ativista pelos direitos humanos desde os 15 anos e produtor cultural. Sou uma construção coletiva, que vem de longe, gerado por uma baiana e um carioca, ambos pretos.

Desde a infância, entendo o poder da coletividade e a força da comunidade para a garantia da nossa existência enquanto pessoa singular e como povo conectado por memória e experiências de vida. São os nós que me trouxeram até aqui — e entendo os “nós” como entrelaçamentos de fios.

É através do entrelaçamento das nossas vidas que a gente vai criando “nós”, a galera que permanece quando o bicho pega. Nos caminhos que trilhamos, há laços que permanecem. A gente percebe que alguns “nós” estão conosco inclusive no olho do furacão, que é onde o b.o acontece na prática. A gente se articula, mobiliza, constrói e fazemos coisas efetivas para garantir a dignidade humana dos nossos.

Quanto mais fios compõem um nó, mais resistente ele fica, não é mesmo? Portanto frente a um Estado Racista, que possui a violação dos direitos humanos como sua coluna vertebral, a gente precisa construir coletivamente entre nós desde sempre.

Entendendo isso, junto com mais cinco jovens de diferentes localidades do Rio de Janeiro, construí o CIJoga (Caravana Itinerante da Juventude), que tem como principal objetivo estimular a participação política e social de jovens de periferia e favelas. Em suma, quer concretizar e viabilizar o artigo 4º do Estatuto da Juventude: “O jovem tem direito à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude”.

Quero ver mais jovens elaborando políticas públicas, e não sendo apenas público alvo. Somos nós que precisamos estar nos diversos espaços da sociedade civil organizada. E, para isso, a gente escuta e estimula conversas. Para fazer com que eles entendam tamanha genialidade que há dentro de cada um, que percebam as estratégias que tivemos que criar para permanecermos vivos desde o dia do nosso nascimento. Por isso, sempre nos remetemos aos mais velhos, que vieram construindo os nós, criando sabedorias coletivas das quais bebemos hoje para construir a emancipação do povo preto.

Chegamos aqui, portanto falaremos de futuro.

O que tenho a dizer é: a partir do momento em que eu conheço os nós de onde eu vim, eu sei para onde vou, valorizando a cultura preta e nossa ancestralidade, respeitando nossos mais velhos, construindo estratégias com nossos contemporâneos, para garantir um bom lugar para os nossos mais novos.

O levante preto taí, e a cara neste momento é dos meus irmãos, jovens, de periferias e favelas que criam gambiarras desde sempre frente ao racismo, e isso só tem sido possível por buscarmos a nós enquanto povo. Em tempo, gostaria de citar um grande pensador campograndense, meu tio: “Surrique, nós somos nó, e é isso que eles temem”.

Para a branquitude, no entanto, nos tornamos nós no “pior” sentido da palavra, que é o que impede, que é um problema difícil de resolver. Somos um problemão mesmo, até porque estão tentando nos exterminar há anos, de diferentes formas, e continuamos aqui. Pedindo licença a nossa mais velha Conceição Evaristo para citá-la: “Eles combinaram de nos matar, e nós combinamos de não morrer”.

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