Remanescência

Ashoka Brasil
4 min readJul 14, 2021

Iago Hairon
Jovem Transformador pela Democracia

Iago é um homem branco de cabelos curtos castanhos, com barba e óculos. Ele está ajoelhado em uma plantação, olhando para o lado e sorrindo. Iago está vestindo uma camiseta branca, bermuda bege e bota marrom. Ao seu lado. O cenário é composto por um carrinho de mão, mudas e um espaço aberto de terra
Foto: Eureca

Sine Calmon, reggaeman de Cachoeira, no Reconcâvo da Bahia, diz em uma de suas músicas que “às margens do Rio Paraguaçu, em plena América do Sul, só remanescente ficará”. O Recôncavo, terra de onde vim, é formado de resistência histórica e de lutas pela independência da Bahia e do Brasil. E antes de falar de mim, eu precisava falar dela.

Me chamo Iago Hairon, 27 anos, baiano, nascido as margens do Rio Paraguaçu, na cidade de São Félix e criado no Recôncavo Baiano (Cachoeira, Muritiba, Governador Mangabeira, Cruz das Almas…). Filho de mãe branca e pai preto, tenho certeza que meu lugar formou minhas raízes sociais, culturais e também de militância política.

Me considero ativista climático desde os 13 anos, quando ouvi falar sobre mudanças climáticas pela primeira vez. Talvez ter crescido em uma região rodeada por mata e rios tenha dado aquele empurrão no meu olhar, na minha indignação e na busca por entender de fato o que eram as mudanças do clima.

Naquele tempo, eu só sabia que o rio estava secando, que as queimadas estavam se intensificando muito e a comporta da barragem — que, na minha infância, abria quase toda semana — foi deixando de ser aberta, chegando a demorar anos para abrir novamente. Minha curiosidade de entender o que estava acontecendo e fazer alguma coisa foi o que mais me moveu a me tornar um ativista.

Procurei movimentos para me engajar, entre eles o Movimento Bandeirante, a Plant For The Planet, o Movimento Estudantil e o Engajamundo. Nesses movimentos, construí o que sou hoje politicamente e eles me fazem ter esperança de que, quando tiramos a viseira que tapa as perspectivas de futuros e oportunidades para jovens que não as tiveram, nossa história toma um outro rumo. A minha tomou.

As oportunidades que os movimentos sociais me trouxeram foram muitas: desde participar de protestos na Câmara Municipal e estudar Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, até fazer incidência no Congresso Nacional e em conferências internacionais da ONU. Experiências que transformaram a minha forma de pensar a ação política. O poder da coletividade é transformador e é essa coletividade que move estruturas centenárias de opressão e desenvolvimento que não incluem a natureza e suas populações tradicionais.

Ao longo do meu percurso nos últimos anos, o Engajamundo foi, com certeza, a maior escola. O Engaja é uma organização de liderança jovem que tem como missão conscientizar jovens brasileiros de que, mudando a si mesmo, seu entorno e se engajando politicamente, eles podem transformar sua realidade! Para mim, além de uma missão institucional, o Engajamundo é um espaço de criação coletiva, oportunidades e conexões reais que transformam vidas.

No Engajamundo, vivi momentos distintos, passando de voluntário a coordenador geral. Do jovem que tinha, enfim, oportunidades até o jovem que precisou entender que essas oportunidades precisavam ser vividas por outros jovens.

Como ativista, vivi momentos importantes dentro da organização. Posso citar dois deles como sendo aqueles de que mais tenho orgulho. Em 2015, pude ajudar a criar uma estratégia de diminuição da poluição do Brasil que respeitasse direitos humanos, gênero, raça e equidade intergeracional e apresentar diretamente a ministros de Estado. A ação ajudou a inserir as questões de gênero na estratégia do governo brasileiro para a conferência de clima da ONU que criou o Acordo de Paris.

Em segundo lugar, poder acompanhar a expansão do Engaja e ter visto de perto e ajudado a construir esta organização diversa, que tem sua base de voluntariado mais forte no Norte e Nordeste e, como seus coordenadores gerais, pessoas que representam essa diversidade. Hoje, os coordenadores são de Pernambuco, da Bahia, do Amazonas, de São Paulo e Brasília.

Mas se a experiência coletiva foi importante na minha trajetória, o “ponto de não retorno” do meu ativismo, aquele que me fez amadurecer forçadamente e mudou a forma como interajo com o mundo e as pessoas, surgiu de uma experiência muito individual. Certamente, eu não seria o Iago de hoje se não passasse por isso.

Com 20 anos, me tornei paciente renal crônico da forma mais dramática que alguém poderia viver esse momento. Adoeci, entrei em estado de sepse, perdi a função dos meus rins, fui desenganado pelos médicos e tive uma parada cardíaca de 16 minutos e 47 segundos. Passar por uma experiência de quase morte me fez questionar os limites do ativismo, do meu corpo e entender que, para ajudar os outros, eu precisava estar bem.

Costumo dizer que os últimos sete anos foram os mais felizes e mais desafiadores da minha vida. Fiz muita coisa, conheci muita gente, ocupei espaços e criei outros, mas ao mesmo tempo precisei entrar em acordo comigo. Eu queria viver, mesmo estando conectado em uma máquina de diálise por nove horas, todas as noites. Inúmeras vezes pensei em desistir, mas a minha família, meus amigos, os jovens que conheci e a remanescência do Recôncavo me fizeram permanecer.

Em dezembro de 2019, consegui fazer meu transplante. Em 2020, deixei de ser coordenador do Engajamundo e comecei a trabalhar como Oficial do Programa em Justiça Climática para América Latina e Caribe na Open Society Foundations. Hoje, trabalho conectando e criando oportunidades para outras organizações e outros jovens do nosso continente. Jovens que entendem as mudanças do clima como o maior problema da nossa geração, o qual precisa ser pautado a partir da intersecção entre política, democracia, direitos humanos e justiça.

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